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09/07/2018 17:46


História do Passo da Guerreira

Foi a menos de século, pelos idos de 1930, depois da Revolução Federalista de 1923 e das proezas de Luís Carlos Prestes. Tem a ver com os rebuliços que findaram a República Velha, a que depôs o Presidente Washington Luís, onde o eleito Júlio Prestes nem empossou devido ao golpe do são-borjense Getúlio Vargas. Este assumindo governo provisório. Enquanto caía o preço do café no Brasil a escaramuça reboou* nas Missões. E claro, com dedos do Getúlio. Naqueles tempos famílias inteiras entravam em luta armada. Fosse por vingança, idealismo político, desavenças ou defendendo as terras.
Foi num dos vaus do rio Piratini, onde é raso, piso reto e rochoso. De águas perenes, afora os tempos da enchente de São Miguel, as de setembro, a pé não dá na cintura, e com cavalo grande não molha as botas. Recontado nas rodas de mate, o causo saiu do Distrito Remanso para além de São Miguel, além das Missões...
Os mamelucos* eram conhecidos como os “Bugres dos Olhos Claros”. A família retornava da Argentina, dos Hermanos, donde chibiaram* carregamento de armas, munição e sal, este em falta por acá. A missão mirava suprir as tropas revoltosas sitiadas em Eugênio de Castro. Assim era para ser. Ao todo uns dez, com os homens por diante, e cruzando São Luiz Gonzaga seguiam pelo corredor das tropas. Mais atrás iam as chinas*, dentre elas Jupiara*, a caçula.
Embora cansadas, com pesada carga no lombo, uma das mulas orneou* ao aproximar-se do Piratini. Pela sede ou pressentido o perigo? Adentraram o passo tastaviando*, ao estalar de relhos, metendo as fuças em goles apressados. Nisto soou o primeiro tiro, derrubando uma mula. Foram atacados durante a travessia, no indefeso. Mesmo assim estendeu-se tiroteio, pois os tauras* fecharam-se num círculo, por escudo os muares a protegê-los... Mas aos poucos, um a um, iam caindo por água. Para não sucumbirem de todo, o mais velho combinou uma reação para, enquanto isto, Jupiara fugir dali, para avisar da emboscada, e não ficassem por desertores. Assim feito, em meio ao fogo cruzado a bugra mergulhou feito lambari, e correnteza abaixo se camuflou nos sarandis debruçados na barranca.
De pouca prosa, anos depois ela mesma narrou o fato. Que o rio estava abaixo do normal, e com os olhos à flor d’água viu o cessar dos tiros, o grito dos mercenários a cercarem os seus, fazendo a degola sem dó. De ouvir o grito de guerra familiar do Tiqueira*, que no último atino riscou isqueiro e meteu-o no pavio de fora, isto na fração do golpe fatal. Do suceder de berros, logo sufocados pelo estouro da dinamite. Como último ato de batalha o mano fez explodir o carregamento e, junto dele as mulas, dois inimigos, armas e munições. Triste cena que entreviu por entre a fumaceira, com cheiro de sangue, este descendo em filetes no entardecer mais frio de sua vida.
Como um dos maulas* tinha lhe visto, e este gritou por ajuda aos demais para caçá-la, imergiu novamente, saindo ao longe. Que deixaram de procurá-la, dizendo que morreria congelada. Já fora d’água e anoitecido aproximou-se do fogo inimigo, mirando os semblantes. Um deles estava ferido na perna. Um recolhia sacos de sal manchados de sangue, outros ajeitando pedaços de armas.
E ainda Jupiara: No dia seguinte enterrou os corpos endurecidos, não dos maulas, mas dos seus que encontrou, pois alguns foram levados pela correnteza. E no pé da colina, explicou das cruzes, que naquele dia fez de um braço só. Que cumpriu o pedido do irmão, mas depois deu caça aos malevas, perseguindo o grupo forasteiro, e deu cabo deles, um por um. Só depois retornou, fincando um segundo braço nas cruzes*, e em oca que construiu, ali ficou para zelar as tumbas.
Ninguém soube ao certo quantos matou, nem Jupiara o confessou. Já velha e murcha, era vista rodeando as cruzes de espinilhos*, reatados com cipós, mudas testemunhas de um massacre cruel, mas que não ficou impune.
Quando deram por si, não mais a viram. Nem os peões da Fazenda Pacheco, nem das terras lindeiras do Seu Cardoso. E a tapera* lá ficou, a poucas léguas* das Ruínas de São Miguel. Ainda hoje, quem vasculhar há de encontrar pedaços de armas, de ferro, restos de batalha.  Mas do corpo ninguém soube, nem mesmo se o rio a levou.
E lembrou um peão que a visitou: ela jogava milho aos pássaros e jacus*, aos quais domesticou. Recitava dizeres que expressava em grunhidos, num misto de portunhol* e guarani:
- As águas do Piratini são quentes e protetoras para quem cumpre sua palavra.
- Só há uma vida a ser vivida, neste chão só há paz para os bravos.
Disse também o taura que ali, donde se deu a explosão, o vau ficou mais fundo. Aos mais intuitivos, estes pressentem ali o caricato olhar de Jupiara... a índia do Passo da Guerreira!
Pesquisa e versão Otávio Reichert
Facebook = Otavio Geraldo Reichert  
GLOSSÁRIO:
Reboou = fez eco, retumbou;
Mameluco = Indivíduo com ascendência indígena e branca;
Chibiaram = contrabando, foram da lei;
China = primitivo nome da prenda, esposa do gaúcho;
Tastaviando = tropeçando, desequilibrado;
Tauras = valentes, arrojados;
Tiqueira = nome indígena. Irmão mais velho;
Jupiara = Guerreira independente, original, competitiva; nome indígena 
Maulas = pessoa malevas, de má índole;
Espinilho = árvore comum na região. Madeira dura e espinhosa;
Cruz de dois braços = cruz de Caravaca ou de Lorena. Cruz missioneira;
Lindeiras = encostadas, vizinhas;
Tapera = casa abandonada, sem dono, em ruínas; 
Légua = medida variável, entre 4 e 6 quilômetros;
Jacus = ave de cor escura, similar às galinhas;
Portunhol = mistura de português e espanhol;
Orneou = similar ao relincho. Forma do muar anunciar presença, satisfação ou desejo.

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