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11/07/2019 15:31


Otávio Reichert - INTEGRANDO 11/07/2019

      Enquanto mateava viu o carro se aproximando. Desceu o carona, que o outro lá ficou. E ali sentada, pelo rangido do portãozinho, pressentiu as tensas energias naquele homem. Caminhava trôpego, embora a bombacha de dois panos disfarçasse sua limitação. O orvalho, ainda presente nas flores e plantas, exalava mistura de aromas. Estranhamente, um dos poucos girassóis amanheceu se debruçando ao corredor. Pois foi justamente ali que o estranho cambaleou, e, tastaviando, sua mão direita buscou escora inexistente, que nada havia além do girassol. Sacudido, desprenderam-se douradas pétalas, esvoaçadas pela brisa matutina. Aprumou-se ele, e, pela calçadinha de tijolos à vista, achegou-se até ela, ouvindo o roncar da cuia ao último gole:
     - A senhora é mesmo benzedeira?
     - Bom-dia, senhor! Sou sim. Não duvide da crença que nos une entre o Céu e a Terra! O que mais, além da dor no quadril, lhe trouxe aqui? Entre, por favor...
    - Meu nome é Jamir! Bom-dia! Vim de longe, e aqui estou porque me disseram da senhora ser a mais iluminada da capital das benzedeiras...
    - E então convenceram-no a vir! Saiba que, mesmo incrédulo, as forças do além alimentam sua alma. Sente-se! Sua história... O que mesmo lhe trouxe acá?
     Sou missioneiro! Menino ainda, lembro de quando a mãe me perguntou o que eu já sabia: “Você sabe o que significa “piá”?
     - Sei, sim, mãe Eva! A senhora já me disse ser “pedacinho do meu coração!” Lembro disso pelo ar de mistério. Sentia medo daquelas conversas que, hoje sei, não tinham nada a ver, antes pelo contrário. Pois ela me presenteou com um bastão de cedro, nele esculpido mãe Jaci. Enquanto fazia umas rezas tupis, foi tocando aquele patuá em todo o meu corpo, menos a cabeça, que este era local do meu Anjo da Guarda. Finalizou colocando-o ao pescoço, com cordão de couro de cervo batido, trançado por ela. Disse-me que, pendurado ao peito, iria proteger-me dos perigos do corpo e da alma.
    - E onde está o patuá agora?
    - O que sobrou dele? Digo pra senhora que o usei por muitos anos, até fazer o curso de paraquedismo. Foi quando deixei de usá-lo. Um estorvo, conforme o instrutor.
    Encurtando a história, faz dois anos que se deu a minha desgraça. Ao vestir o macacão para mais um salto livre, avistei meu patuá. E em memória da mamãe, que cedo partiu, coloquei-o ao pescoço. Já nas alturas, após saltar do avião, esperei um pouquito mais para puxar o cordão. Pois justo neste dia o paraquedas fez um charuto e a metade dele não abriu. Dentre as tentativas para destrançar os tirantes, joguei o corpo para trás e forcei as duas mãos para frente. E quase conseguindo desenrolar as tiras, eis que o vento fez sair o patuá do macacão e se enroscou na maçaroca de fios. Num repuxão invertido, consegui quebrar o patuá ao meio e o paraquedas finalmente se abriu de um todo, porém já estava muito próximo do solo. No impacto, quebrei muitos ossos.
    Entendeu minha história, senhora? Por causa do patuá tenho uma perna encurtada, mancando feito cavalo estropiado. Sem falar das dores...
    - Já entendi, seu Jamir! Deixe-me falar com Xamã, que hay de ver com Tupã...
    Ato contínuo, a benzedeira iniciou seus rituais de orações, mãos sobrepostas em cósmicas energias. Sem que ele nada visse ou soubesse, ela vislumbrou seus ente queridos, ancestrais, muitos deles nascidos ali mesmo, em São Miguel das Missões. Pelas vibrações, identificou o pai dele, semblante espanhol. E como que saindo do girassol, donde se energizara tão somente para acariciar seu filho amado, a bela índia foi se aproximando e transferindo saberes...
    Sim! Foi o patuá que lhe salvou a vida, pois que puxava os tirantes ao contrário. Que mesmo quebrado, esse amuleto iria amainar suas dores. Que nada lhe dissesse, pois o saberia no futuro...
    - E daí? A senhora pode me ajudar, ou perdi a viagem?
    - Calma, seu Jamir! Tupã é poderoso! Ao sair, leve o girassol do corredor e plante suas sementes no quintal da casa. Sobre o patuá, tire o cordão e carregue-o sempre na gibeira, lado direito.
    E ainda: diga para seu tio, o que lhe trouxe acá, que seu sobrinho é um cabeça dura, mas tem bom coração!    
                             Otavio Reichert

Glossário: Patuá: Termo similar ao amuleto, talismã.
                  Piazito: Diminutivo de piá, categoria para Invernada de Danças – 6 a 8 anos
                  Mãe Jaci: Deusa Lua, protetora e guardiã.
                  Gibeira: No Sul, o bolso da calça ou de bombacha, o mesmo que algibeira.

Humor: O motorista de ônibus, ao ver duas mulheres brigando por um assento, gritou: - O lugar é da mais gorda!
 As duas ficaram em pé.

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