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Texto Roteiro Lindoia, a Índia de São Miguel 2016



    Lindoia, a Índia de São Miguel
         CANTADO
         E os pássaros, e a mata e os rios / Rompem em profundíssimos suspiros, / Lindoia inda conserva no semblante frio / Um não sei quê de melancólico e triste, / Que nem o coração mais duro resiste, / Tanto era bela no seu rosto a morte!
         NARRADOR - Soprem ainda os ventos do tempo sobre as Missões dos Sete Povos, caiam as sombras sobre as pedras das igrejas em ruínas, tentem as chuvas dos séculos lavar as memórias, nada, nada mesmo poderá apagar a mais bela história de amor, heroísmo e morte nas Missões dos Sete Povos: a paixão e a tragédia da índia Lindoia e do seu amado general missioneiro Cacambo, guarani de São Miguel.
    Corria o ano de 1753.  Era possível ouvir vozes inflamadas de revolta como a do capitão Sepé Tiaraju:
         SEPÉ- Guerreiros guaranis escutai-me! O rei de Espanha quer entregar nossas terras para Portugal. Nunca! Esta terra tem dono. Se eles querem guerra, terão guerra! Morte aos inimigos!!
         NARRADOR - Sim, era tempo de guerra nas Missões. Na redução de São Miguel, os caciques Sepé Tiaraju e Cacambo organizavam uma resistência armada ao Tratado de Madri. 
    No seio dessa inquietação, incertezas e medo, encontramos a índia guarani Lindoia. Índia de suaves e honestos costumes, preparava-se ardentemente para o seu prometido esposo general Cacambo. Sonhava com o dia em que a igreja e a praça de São Miguel estariam enfeitadas, e os corais guarani entoariam os hinos de amor. 
    No entanto, mal sabia a donzela guarani que ruins enredos e violentas intrigas eram urdidas nas sombras.  Baldeta, outro cacique do povoado, secretamente apaixonado por Lindoia, sabia que jamais a tomaria como esposa, a não ser se Cacambo fosse morto. Então, acobertado por caciques parentes, tramou o destino do valente Cacambo. 
         Em dezembro de 1755, novas notícias de guerra chegavam a São Miguel. Sepé Tiaraju já partira para enfrentar os exércitos de Espanha e Portugal com um grupo de guerreiros. Coube a Cacambo reunir mais guaranis e seguir os passos de Sepé.
         A população clamava a Deus, dividida entre apoiar a guerra ou cumprir a ordem de abandonar as terras. À noite, podiam-se ver fogueiras na praça nas não dormidas horas de temor e sentinela. 
    Premidos pelo tempo, Cacambo e Lindoia decidiram que seu casamento fosse realizado antes da dolorosa partida do noivo comandante. Então, diante do grupo de índios prontos para a guerra, sem pompas e festas, Lindoia foi dada como esposa prometida a Cacambo.
    Mas, por razões escusas, o padre e outros caciques liderados por Baldeta, não permitiram sequer um beijo entre os recém-casados, e ordenaram que Cacambo partisse imediatamente para a guerra.
         O tempo passou e, enquanto Lindóia aguardava o retorno de seu amado, Cacambo se mostrou um guerreiro à altura de Sepé, seu grande amigo. Já, Baldeta, petulante e covarde, insinuava-se junto à Lindoia, certo de que Cacambo jamais retornaria da guerra. 
         Mas não foi assim. Morto o capitão Sepé Tiaraju em fevereiro de 1756, e perdida a batalha de Caiboaté, as tropas missioneiras se desfizeram ou foram dizimadas pelos portugueses e espanhóis. 
    Enquanto os índios que se salvaram voltavam para São Miguel, Cacambo ficou nos campos da guerra para atrasar os inimigos. Sozinho, enfrentou os inimigos ateando fogo nos acampamentos dos exércitos, dispersando centenas de cavalos de guerra, e só retirou-se depois de saber que seus companheiros estavam salvos.
         No entanto, a desgraça o esperava. Foi preso pelo padre Balda e caciques, acusado, por Baldeta, de traição e de ter abandonado seus guerreiros. Nem permitiram que a saudosa esposa Lindoia o visse e nem o visitasse na prisão. E foi ali que, dias depois, misteriosamente, foi encontrado sem vida. E nem no funeral do esposo amado a desolada  Lindoia pode ir. Deixaram-na trancada em sua casa. Assim, Lindoia estaria livre e virgem para esposar o perverso cacique Baldeta.
         Dias depois, contra a vontade de Lindoia, ela foi dada como esposa a Baldeta. No dia marcado para a festa, a praça de São Miguel  toda enfeitada com flores, todas as famílias foram obrigadas a comparecer ao casamento de Baldeta com Lindoia. Mas na hora da cerimônia, o padre e o noivo Baldeta no altar, o coral afinado, dezenas de crianças de branco, só faltava a noiva que não apareceu. Muito nervoso, Baldeta deu uma ordem aos índios:
         BALDETA - Vão, busquem Lindoia e tragam-na para cá, até o pé desse altar, mesmo que seja forçada a vir.
         NARRADOR – Preocupados, alguns índios saíram à procura de Lindoia. Já distante da redução, uma velha índia, amiga de Lindoia, disse que a tinha visto a vagar, triste, chorosa e sozinha, rumo a um bosque próximo. 
    No coração da mata, os índios ncontraram-na sentada na relva, ao pé do tronco de uma centenária figueira. Mas, ao se aproximarem, viram, enroscada em seu frágil corpo, uma enorme cobra que assustou a todos. Somente um índio, irmão de Lindoia, tomado de coragem e pânico, esticou seu terrível arco e, com certeira flecha, deixou a cabeça do enorme réptil cravada na árvore.
    Aflito, correu até a irmã e, de perto pôde ver no casto peito, o sinal dos afiados dentes da cobra. Lindoia estava morta.
    Levada nos braços do irmão até a velha índia que indicara o caminho, esta narrou sua última conversa com Lindoia.
         VELHA ÍNDIA- Ela entrou em minha tenda e, à fraca luz do braseiro, dentro da noite, narrou-me seus tantos males. Sofria muito. Suspirava soluçando o nome de Cacambo e suplicava alguma magia que a fizesse encontrá-lo na terra sem males. Seu coração de heroína preferia enfrentar a morte a ter que trair a memória de seu marido.
         NARRADOR – Em tristíssimo cortejo, carregaram o corpo de Lindoia até a praça da redução, onde Baldeta e os chefes do cabildo aguardavam para dar início ao casamento. No entanto, o sofrimento de Lindóia não terminaria com a morte.  Um grande tumulto tomou conta da praça enquanto Baldeta, bradava transtornado:
         BALDETA- Levem esse corpo daqui, joguem essa maldita no campo, para que sirva de pasto aos negros corvos que andejam por aí. Ela não merece o seio da terra, e nem flores e nem lamentos. Ai de quem chorar por ela.
         NARRADOR – Então, no meio de gritos plangentes e desespero que aquelas impiedosas palavras produziram na multidão, o irmão de Lindoia, erguendo a lança de guerra e, seguido de um grupo de homens e mulheres, fez ecoar o primeiro brado de revolta no coração de um povoado missioneiro. Inconformados com a tragédia de Lindoia, impuseram ao padre e aos caciques, que celebrassem os funerais de costume, dentro da igreja, e dessem à infausta guarani o repouso definitivo no cemitério da redução.
         Assim, naquela tarde triste, quando caía o último punhado de terra vermelha sobre a tumba discreta de Lindoia, fechava-se a mais linda, a mais dolorosa, a mais cantada página de história de paixão, heroísmo e morte, na Missão de São Miguel Arcanjo: a dolorosa história da inocente guarani, Lindoia. 

  • Sobre

  •      Texto produzido por Mário Simon baseado no Canto IV da epopeia “O URAGUAI”, de Basílio da Gama, especialmente para o Mapping do Natal Cidade dos Anjos – 2016. (Este texto tem 1440 palavras). 
    Natal Cidade dos Anjos 2016
    Natal Cidade dos Anjos 2015
    Natal Cidade dos Anjos 2014
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Informações

Texto Roteiro Lindoia, a Índia de São Miguel 2016
Santo Ângelo, RS
Roteiro apresentado durante a projeção mapeada no Natal de Todos os Anjos de 2016, na fachada da Catedral Angelopolitana no Centro Histórico em Santo Ângelo/RS.
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